Monotrilho afeta preço dos imóveis no Morumbi

Há alguns dias, a incorporadora Brookfield decidiu colocar em promoção imóveis em construção no Panamby, uma das regiões mais arborizadas e valorizadas da zona sudoeste de São Paulo. Os apartamentos de 141 metros quadrados e duas vagas de garagem localizados dentro de um grande condomínio fechado com extensa área de lazer e todo o aparato de segurança saem, à vista, por 440.000 reais. Isso equivale a um preço por metro quadrado de 3.100 reais, bem abaixo da média de quase 4.000 reais do bairro do Morumbi, segundo pesquisa do Ibope.

Por trás da dificuldade em vender o empreendimento que levou a essa promoção está uma das mais controversas obras de infraestrutura em planejamento na cidade de São Paulo. O governo paulista prevê realizar no dia 18 de novembro a licitação da linha 17 – Ouro do Metrô, que ligará o estádio do Morumbi ao Panamby, o aeroporto de Congonhas e a estação Jabaquara do Metrô (veja mapa acima). Ao invés de optar por uma linha subterrânea, que sempre valoriza os imóveis vizinhos, o governo decidiu pela construção de um monotrilho de proporções assustadoras. Os trens se deslocarão por quase 20 km de vias elevadas a 15 metros de altura, sustentadas por enormes pilares construídos a cada 30 metros. Logo que o edital foi publicado, associações de moradores declararam temer a construção de um “novo Minhocão” no bairro.

Para urbanistas e especialistas em transporte ouvidos, ainda que a preocupação seja um tanto exagerada, a obra, se levada adiante da forma como foi proposta, terá impacto no mercado imobiliário do Morumbi. Os maiores perdedores, dizem os especialistas, devem ser os imóveis mais próximos às linhas e às estações. É exatamente esse o caso do Villa Amalfi, que terá o monotrilho como vizinho de muro – a Brookfield até decidiu mudar a disposição dos prédios em construção para que o terraço não ficasse de frente para a linha. Ainda que rodem sobre pneus e que haja uma parede de proteção ao lado dos trilhos, trens são sempre barulhentos e emitem um ruído muito menos agradável que o dos milhares de passarinhos que habitam o bairro atualmente.

Outro problema é visual. Não é possível comparar o projeto com o Minhocão, que é muito mais largo, suporta um tráfego bem maior e foi determinante para degradar uma área gigantesca no centro de São Paulo. A estrutura a ser montada também é mais estreita que a do Expresso Tiradentes, o antigo Fura-Fila, que corre no meio da avenida do Estado, na zona leste de São Paulo. Mas seria impossível construir uma obra desse porte sem gerar poluição visual na região. “O monotrilho pode até ser eficiente e funcional, mas bonito não vai ficar”, diz o coordenador do curso de Arquitetura e Urbanismo da Unesp, Fernando Okimoto.

O governo de São Paulo acredita que o monotrilho é a melhor forma de integrar o aeroporto de Congonhas e o estádio Morumbi ao resto da cidade. O Morumbi é um bairro rico, pouco adensado e enorme que depende de poucas vias para o acesso a outras regiões. O transporte público na região é ruim, e a maior parte dos moradores usa carro para se locomover. Já o aeroporto costuma ser acessado por meio de táxi (caro em São Paulo) ou de veículo próprio (mas a diária do estacionamento dentro de Congonhas custa 58 reais, uma das mais altas do país).

O Metrô diz que a construção da Linha Ouro por via subterrânea seria bem mais cara que os pouco mais de 3 bilhões que serão gastos no monotrilho. O preço final só será conhecido no dia da licitação – vence o consórcio que apresentar a menor proposta para a construção do trilho e das 19 estações e a compra de 24 trens. Além disso, as escavações subterrâneas exigiriam estudos de edificação muito mais complexos, maior número de desapropriações e um prazo bem longo para a conclusão das obras – o que inviabiliza o projeto para a Copa de 2014.



A opção de construir parte do monotrilho por via subterrânea e o resto em via elevada, como vem sendo defendido por alguns moradores do Morumbi, também é complicada. Segundo o arquiteto e urbanista Kazuo Nakano, do Instituto Polis, esse projeto exigiria um ponto de baldeação entre o metrô e o monotrilho, já que a estrutura para o deslocamento dos dois tipos de veículos é diferente. Isso obrigaria os passageiros a se locomover a pé por um trecho e prolongaria o tempo das viagens.

Já a opção de construir um monotrilho a céu aberto no nível da rua esbarraria em um problema grave na cidade de São Paulo: a falta de espaço. É verdade que já virou tendência nas cidades europeias instalar trilhos nas ruas para o tráfego de veículos elétricos. Mas, na capital paulista, essa solução agravaria ainda mais o congestionamento de carros que passariam ao lado dos trilhos.

Por esses motivos, dificilmente o Metrô abrirá mão do monotrilho em via elevada no Morumbi. Mudanças de rota e deslocamento de estações ainda poderão ser negociados por moradores e governo. O maior risco, no entanto, é o de adiamento das obras. No local, há muitos moradores de alto poder aquisitivo que são contrários ao projeto. Além disso, o Ministério Público de São Paulo já abriu inquérito para apurar se há “irregularidades e danos à ordem urbanística” e pode conseguir na Justiça interromper temporariamente as obras.

O grau de impacto do monotrilho no mercado imobiliário do Morumbi vai depender principalmente da forma de construção. Mesmo projetos bem menores que o Minhocão podem ser ruins para o mercado imobiliário. Foi o que aconteceu após a construção dos corredores de ônibus nas avenidas Nove de Julho e Santo Amaro. Como foi necessário reduzir as calçadas para ceder espaço aos corredores, ficou impossível estacionar o carro em frente às lojas. O comércio local perdeu clientes. O aumento do fluxo de passageiros nos ônibus não foi suficiente para compensar esse impacto negativo porque os corredores foram construídos no meio das avenidas sem a integração necessária com as calçadas. O resultado foi o fechamento de muitas lojas e a criação de um vazio no meio da cidade, principalmente na avenida Santo Amaro.

Mas nem sempre obras de transporte prejudicam o mercado imobiliário. O corredor da avenida Rebouças, por exemplo, possui mais pontos para a travessia da rua – e, por isso, não desvalorizou a região. No caso do monotrilho, que deve alterar a paisagem sem mexer nas calçadas, provavelmente as áreas residenciais mais afetadas possam rever sua vocação e tornem-se regiões comerciais no futuro. “É provável que o Morumbi seja menos residencial nos próximos anos”, diz o arquiteto e urbanista Kazuo Nakano, do Instituto Polis.

A construção do monotrilho exigirá a desapropriação de 132.000 metros quadrados em imóveis na região com um custo estimado pelo Metrô em 185 milhões de reais – ou só 1.400 reais por metro quadrado. Os moradores descontentes com os valores propostos podem tentar negociar com o governo ou partir para uma disputa judicial. Nesse caso, o dinheiro fica depositado em juízo até que a Justiça decida o valor justo do imóvel. Kazuo Nakano, do Instituto Polis, diz que é comum que o poder público faça uma proposta inicial baixa para as desapropriações. Segundo ele, aumentar o valor na Justiça é mais demorado do que difícil.

A própria incorporadora Brookfield planejava lançar dois novos prédios no Panamby, ao lado do Villa Amalfi. Os empreendimentos, entretanto, estão dentro da área que deve ser desapropriada pelo Metrô. A empresa está entre os proprietários que ameaçam entrar na Justiça caso tenha de desistir do lançamento.

Já quem não possui um imóvel na área das desapropriações nem terá de dar de cara com o monotrilho todas as vezes que abrir a janela da sala tem muito menos motivos para se preocupar. A expectativa dos urbanistas é que imóveis localizados a mais de 200 metros das linhas possam até registrar valorização. Afinal, os moradores terão uma opção a mais de transporte. A ligação do bairro a outras linhas do Metrô permitirá que muita gente possa deixar o carro em casa, o que deverá reduzir o tráfego nas congestionadas avenidas Giovanni Gronchi, Morumbi e Francisco Morato. Isso, no entanto, terá mais impacto na qualidade de vida dos moradores do que no preço dos imóveis.





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